SAÚDE
Ninguém dá bola para a depressão
Trintei na depressão, por Tati
Oshiro*
Fui diagnosticada na época em que meus amigos
estavam dando grandes passos em suas vidas e seguindo em frente. De certa
forma, eu sei que fiquei pra trás. Às vezes eu me sinto meio esquecida, sabe?
Na verdade, às vezes, eu mesma me esqueço.
Assim que eu fui diagnosticada, muitos dos meus
amigos estavam comprando apartamentos, noivando, casando. Enquanto eu era
hospitalizada (as primeiras vezes), eles estavam tendo seus primeiros
filhos. Carreiras iam em frente, mais bebês nasciam e eu sofria com as
recaídas.
Centenas de milhões de pessoas no mundo enfrentam
problemas de saúde mental. Mesmo assim o sentimento é que estamos vivendo esse
desafio sozinhos. Isso porque a maioria das pessoas não consegue falar sobre o
assunto. Existe um tabu! E isso não é culpa delas. Nem sua. Nem minha.
No Brasil, o número de suicídios por motivos
ligados a depressão cresceu mais de sete vezes nos últimos 16 anos –e ainda
pouco se fala abertamente a respeito. É triste dizer, mas acho que, de certa
forma, nós –doentes– já estamos acostumados.
Responda: qual das opções é a mais bem-aceita
quando você vai ligar para o seu chefe de manhã e avisar que precisa faltar no
trabalho?
1) “Chefe,
preciso ficar em casa hoje porque não estou bem disposto, estou com dor de
cabeça e enjoo. Acho que é virose!”
2) “Chefe,
não vou para o escritório hoje porque estou me sentindo muito triste,
angustiado e não consigo me levantar da cama. Acho que é depressão!”
Todos sabemos a resposta. O mundo consegue aceitar
e se sensibilizar quando qualquer outra parte do seu corpo adoece, menos o
cérebro.
Há um grande preconceito, uma imagem distorcida das
pessoas que lutam contra depressão, ansiedade, bipolaridade, ataque de pânico,
TOC…
Sendo sincera, para mim não é fácil falar sobre
isso. É foda! E parece que é foda para todo mundo. Tanto que ninguém, no fim
das contas, está falando nada.
Nós não vemos isso nas mídias sociais, não vemos na
TV. Esse assunto não é gostoso, não é divertido, não é leve. E como não lidamos
com o tema, não percebemos a severidade da depressão.
E é sério: a cada 30 segundos, em algum
lugar do mundo, alguém tira a própria vida por motivos ligados à doença. E
pode ser alguém a dois quarteirões de distância, a dois países ou continentes
de distância, mas está acontecendo.
As pessoas precisam saber que depressão não é
simplesmente estar triste quando algo não anda bem na vida. Quando você termina
com seu namorado, quando você perde uma pessoa amada, ou quando não consegue
aquele emprego que tanto queria, isso é tristeza –uma emoção natural.
A depressão real é estar triste mesmo quando tudo
na sua vida vai bem.
Por muito tempo, eu acho, eu vivi duas vidas
completamente diferentes e uma sentia medo da outra. Eu tinha medo de que as
pessoas pudessem me ver como eu realmente era. Por baixo da minha risada, havia
sofrimento. Eu escondia muita dor.
Algumas pessoas sentem medo de levar um fora,
outras tem medo de tubarões, outras ainda tem medo da morte. Para mim, por
muito tempo nessa vida, eu tive medo de mim mesma. Eu tive medo da minha
vulnerabilidade, das minhas fraquezas. E esse medo me fazia sentir como se eu
estivesse encurralada em um canto, sem outra saída a não ser a morte. Eu penso
nisso todos os dias.
Enquanto eu escrevo aqui, eu já pensei novamente,
porque essa é a doença, esse é o sofrimento, isso é a depressão. Não é como
catapora –uma vez vencida, a doença não se vai para sempre, é uma coisa com a
qual se vive, como uma vizinha chata que nunca vai mudar de casa, uma voz que
você vai sempre ter que escutar.
E a parte mais assustadora é que, depois de um
tempo, você se acostuma, as coisas se tornam “normais”. E aquilo de que você
mais sente medo não é a dor lá de dentro, é o preconceito das outras pessoas. É
a vergonha, o olhar de desaprovação na cara do amigo, o cochicho nos corredores
dizendo que você é fraca e os comentários de que você está louco.
E isso é o que impede de procurar ajuda, fazendo
com que você guarde essa dor. E aí você guarda e esconde, mesmo sabendo que é
justamente isso está mantendo você na cama todos os dias e fazendo você se
sentir vazio, não importa o quanto você se esforce.
Vivemos em um mundo onde, quando alguém
quebra um braço, todo mundo corre para assinar no gesso. Mas a pessoa tem
depressão, todo mundo foge.
A depressão é um dos maiores problemas de saúde já
documentados e é um dos menos discutidos. O assunto fica de lado, afastado –as
pessoas esperem que as coisas se consertem sozinhas.
Mas isso não aconteceu e não vai acontecer.
Cultivar essa “esperança” não resolve, só procrastina.
Não sei qual é a solução, mas o primeiro passo é
reconhecer que temos um problema –não vai ser possível encontrar a
resposta enquanto temos medo da pergunta.
Essa mudança de postura tem que começar agora
–comigo, com você, leitor, e com outras pessoas que estão sofrendo, que estão
escondidas nas sombras. Nós precisamos quebrar o silêncio e falar a respeito.
Se você está enfrentando a depressão, saiba que
está tudo bem. Saiba que você só está doente, você não é fraco. A depressão é
um problema, não uma identidade.
Mas por mais que eu odeie a depressão, eu sou grata
a ela. A doença me empurrou para escuridão para me lembrar que há luz. Minha
dor me forçou a ter fé em mim mesma, em outras pessoas, e de que eu posso
melhorar e mudar essa situação. Sei que podemos falar sobre isso e lutar contra
a ignorância, contra a intolerância, e que podemos aprender a amar quem nós
somos –e não quem o mundo quer que sejamos.
Precisamos parar com a ignorância, com a
intolerância, com o estigma, com o silêncio, e nos livrar dos tabus.
É preciso dar uma boa olhada para essa realidade e
começar a falar, porque a melhor forma de combater esse problema, que as
pessoas estão enfrentando sozinhas, é nos fortalecermos juntos.
Apesar dos lugares aonde as estradas me levaram, os
30 anos me trouxeram esperança, desejos e sonhos. O passado não precisa definir
o futuro, certo? Eu não terminei ainda, eu não parei. E eu não vou desistir.
* TATI OSHIRO é formada em administração de
empresas e atualmente está estudando inglês no Canadá. Ela também se dedica a
ajudar pessoas que, assim como ela, enfrentam doenças mentais e emocionais. tatioshiro@outlook.com
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